Morumbi

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Antes de encontrar o terreno alagadiço e de mata densa, "fora da cidade", do outro lado do Rio Pinheiros, o São Paulo teve que bater perna atrás do local para erguer seu estádio. Cogitou-se inicialmente outra região pantanosa, ao lado do lugar onde, em 1954, inaugurariam o Parque do Ibirapuera, mas a Prefeitura não aprovou a negociação.
Os dirigentes voltaram a atenção, então, para terrenos da Light, a companhia energética, às margens do Rio Pinheiros, mas a aquisição também não se mostrou possível, pois, ao todo, a área só possuía 45.000m².
Enquanto isso, a condessa Mariangela Matarazzo e outros proprietários se desfaziam de um grande lote de terras na região do Morumbi. A Imobiliária Aricanduva adquire a área em 7 de fevereiro de 1951 e, de pronto, planeja seu loteamento comercial.
Em meados de 1951, o São Paulo FC consegue aval para um empréstimo de Cr$ 5.000.000,00 junto à Caixa Econômica Estadual para auxiliar na construção de seu sonho. O empréstimo, aliás, somente foi possível após grande reivindicação da diretoria, pois Corinthians e Palmeiras já haviam requisitado e obtido antes.
Após a ativação da Comissão Pró-Estádio (criada em 15.05.1952), o São Paulo consegue junto a Imobiliária Aricanduva um terreno de 99.873m², em 4 de agosto de 1952. A Imobiliária buscava divulgar seu loteamento para o público. E era mesmo necessário, afinal era em local desconhecido, distante e carente de todas as melhorias da cidade. Melhor atrativo e garoto propaganda que o SPFC não havia.
Para agilizar todo o processo, facilitar a obtenção de investimentos e cumprir o acordo com a Aricanduva, imediatamente o Tricolor lançou a pedra fundamental do estádio, mesmo ainda sem projeto de construção definido, e o Monsenhor Francisco Bastos abençoou o terreno.
O passo seguinte foi estabelecer o primeiro plano de arrecadação de recursos. A Comissão Pró-Estádio definiu a venda de 3.000 futuras cadeiras cativas, com título válido por 20 anos. Contudo, a descrença da população mediante ao fato de se "construir um estádio no meio do mato", aliado à contra-campanha de torcedores rivais e setores da imprensa, forçou o Tricolor a vender 12 mil cadeiras, e torná-las patrimônio definitivo.
Assim, foi aberta a concorrência para os projetos de construção do estádio. Três escritórios de arquitetura apresentaram modelos: A empresa soviética Antonov & Zolnerkevic, a firma de Gilberto Junqueira Caldas e o escritório de Vilanova Artigas, Gastão Rachou Jr, José Carlos Pinto, Carlos Cascaldi e David Ottoni.
O projeto russo era o mais chamativo. Complexo e futurista, com cobertura retrátil e de vidro, mais parecia uma nave espacial. Entretanto a vencedora foi a concepção de Vilanova Artigas. Seu principal ponto forte era a capacidade de público: 120 mil pessoas, originalmente. Artigas era adepto do brutalismo, vanguarda artística que valorizava o concreto exposto - outro fator preponderante na escolha: menor custo de manutenção.
Em 10 de março de 1953 o São Paulo FC apresentava ao público a maquete de sua futura praça esportiva. O projeto original contava com estádio de futebol, ginásio poliesportivo ao estilo "Morumbizinho" com capacidade para 20 mil pessoas, praça de atletismo e parque aquático com três piscinas (uma olímpica), ambos com arquibancadas para 5 mil pessoas, além de diversas quadras poliesportivas e sede social.
Preparativos finalizados, era chegada a hora de arregaçar as mangas e começar a erguer o colosso de concreto, o maior estádio particular do mundo.
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As obras que ergueram o Estádio do Morumbi foram iniciadas em julho de 1953, com o começo da terraplanagem do terreno. Até então, a fonte de recursos majoritária era o empréstimo de Cr$ 5.000.000,00 junto à Caixa Econômica Estadual.
Pouco depois, Amador Aguiar, dono do Banco Bradesco, intermediou em favor do SPFC um contrato de direitos exclusivos para a venda de produtos dentro do futuro estádio com a Companhia Antárctica Paulista. A cervejaria concederia Cr$ 5.000.000,00 ao Tricolor por 10 anos de exploração comercial no Morumbi (com opção de prorrogação por mais cinco).
Com fundo em caixa, o São Paulo garantia os primeiros estágios de seu grande projeto. Em dezembro de 1953, a terraplanagem foi finalizada, ao custo total de Cr$ 3.270.396,00. Em 1954, o estaqueamento e a construção das fundações do Estádio, com 144 túbulos pneumáticos de suporte de carga para 700 toneladas cada.
Ao mesmo tempo é assinado o contrato de construção de uma galeria de águas pluviais, no valor de Cr$ 2.410.279,00, para canalizar o córrego Antonico, que ainda hoje corta os subterrâneos do Morumbi. Além desses serviços, outros foram solicitados com o decorrer das obras. O clube gastou Cr$ 11.180,90 em madeira e tábuas, Cr$ 1.040.643,00 em ferro, Cr$ 15.200,00 em cimento e Cr$ 9.904,00 em pregos e arames.
Para custear a aquisição destes materiais o São Paulo promoveu campanhas de vendas de souvenires (como o famoso LP Bola no Barbante, em que Hebe Camargo é um dos destaques) e de doação de cimento - esta famosa, chegando a mobilizar cidades do interior do Estado. A exploração de propaganda no canteiro de obras foi outra medida utilizada.
Ainda em 1954, o clube altera o modelo original de Vilanova Artigas, após a transferência de seus direitos de propriedade sobre o projeto. As medidas tomadas trariam um ganho 30% de capacidade de público, comportando 156 mil pessoas. O maior estádio particular do mundo, com sobras.
O São Paulo então reformula sua atuação na venda de cadeiras cativas. Repassa a direção da promoção a Oswaldo Molles e à Rádio Bandeirantes. Produtor de Rádio e TV, Oswaldo desenvolve o personagem S.O. (sigla para Sócio-Olímpico, ou seja, sócio dono de cadeira cativa) que se tornou um sucesso, aumentando consideravelmente as vendas.
Em sua campanha, as cativas eram vendidas, em média, a Cr$ 20.000,00 cada. Até sua inauguração, em 1970, o SPFC vendeu 12.000 cadeiras, representando uma receita aproximada de Cr$ 240.000.000,00, desconsiderando correções monetárias e a inflação. Somente o ídolo Poy, verdadeiro garoto propaganda, vendera pessoalmente 8 mil dessas cadeiras.
Grande chamariz, as cativas foram cruciais não somente para a construção do Templo, mas também para o modo como fora construído. Preferiu-se erguer o Morumbi por seções, que compreendiam três níveis de arquibancadas, ao invés do tradicional "primeiro a camada inferior, depois a superior". Afinal, quando uma seção fosse finalizada, poderia ser capitalizada em ações de publicidade e suas cativas entregues a seus donos.
Antes das obras realmente pesadas, de elevação das arquibancadas, as últimas construções de base foram realizadas. Em abril de 1955, o sistema de drenagem foi entregue, ao preço de Cr$ 4.382.437,00. No decorrer do ano ainda foram construídos os túneis, o fosso, a rede de irrigação e a da arquibancada térrea, tudo ao custo de Cr$ 6.010.400,00.
Muitas solenidades marcaram o ano de 1956. Em 24 de janeiro, o Conselho Deliberativo batiza oficialmente o Morumbi:Estádio Cícero Pompeu de Toledo, em homenagem ao seu grande idealizador. No dia seguinte, celebra-se a Festa do Jequitibá. Nessa cerimônia foi plantada uma árvore em terra provinda de todos os municípios do Estado, representando assim a união do povo paulista por seu estádio.
Tudo era motivo de festejo e, claro, de publicidade. Então, em agosto, o São Paulo inaugura o gramado, com festa e churrasco oferecidos à imprensa. Nessa estreia surgiram as primeiras traves redondas do Brasil. Foi nessa época que o Tricolor adquiriu seu primeiro trator, para cuidar da grama. Na verdade, trocaram a máquina pelo passe de um jogador...
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Entre 1956 e 1957 começou, verdadeiramente, a construção do maior estádio particular do mundo. As fundações foram concluídas em setembro de 1957, por Cr$ 20.000.000,00. Seis vãos de gigantes (espaços entre as colunas de sustentação) foram terminados em seus três níveis e outros 19 vãos ao redor, até as cativas, em fevereiro de 1957.
Até agosto de 1958 todos os níveis foram levantados, mas, somente em março de 1960, finalizados, com o acréscimo de outros cinco vãos. Tudo ao custo de Cr$ 78.681.571,60. Com essa configuração, o Morumbi teria sua inauguração parcial.
Até lá, contudo, faltavam outros detalhes: a pista de atletismo, configurada por Dietrich Gerner, foi inaugurada em 9 de abril. As rampas de acesso provisórias e pisos do pavimento térreo foram entregues em 20 de julho, por módicos Cr$ 7.000.000,00. Já os bancos das numeradas e cativas foram instalados por Cr$ 10.600.000,00. Para pregá-los, Laudo Natel teve que virar garoto propaganda de uma indústria de parafusos e assim conseguir 400 mil unidades de graça.
Por fim, o muro de entorno, necessário para separar a torcida do canteiro de obras, saiu por Cr$ 4.000.000,00. Triste foi a derrubada do velho pinheirinho, retrato do lento avanço das obras. Reza a lenda que a esposa do presidente Cícero impediu seu corte, pois nele havia um ninho de passarinho. Passaram-se quase oito anos até que, enfim, ele fosse derrubado por causa da construção do muro.
Longe de estar finalizado, a Comissão Pró-Estádio achou por bem inaugurar o estádio, mesmo incompleto, pois passaria a obter mais recursos provindos de bilheteria e também de ações publicitárias e promocionais, pelo destaque do Morumbi na imprensa. Além de, claro, saciar a vontade do são-paulino em ver e ocupar sua própria casa.
Com tudo preparado, marcou-se a data de inauguração: 2 de outubro de 1960. O convidado para repartir a honra desta festividade foi o Sporting de Lisboa. Sob a benção do Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcelo Motta, a bola rolou pela primeira vez de modo oficial no Estádio Cícero Pompeu de Toledo. O primeiro gol do novo estádio foi marcado por Arnaldo Poffo Garcia, o Peixinho, aos 12' da etapa inicial.

São Paulo Futebol Clube 1 x 0 Sporting Club de Portugal
SPFC: Poy; Ademar, Gildésio e Riberto; Fernando Sátyro e Victor; Peixinho, Jonas (Paulo Lumumba, depois Cláudio Garcia), Gino Orlando, Gonçalo e Canhoteiro (Roberto Frojuello). Técnico: Flávio Costa.
Gol: Peixinho, 12/1
SCP: Aníbal; Lino, Morato e Hilário; Mendes e Júlio; Hugo, Faustino, Figueiredo (Fernando), Diogo (Geo) e Seminário. Técnico: Alfredo Gonzalez.

Árbitro: Olten Ayres de Abreu
Renda bruta: Cr$ 7.868.400,00
Renda líqüida: Cr$ 7.779.900,00
Público pagante: 56.448
Público presente: 64.748
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Os festejos de inauguração do Morumbi duraram uma semana. No domingo posterior ao seu debut , o São Paulo promoveu uma rodada dupla. Na preliminar, um time formado por veteranos do Tricolor enfrentou a Seleção Paulista. No jogo de fundo, o SPFC goleou o Nacional do Uruguai por 3 a 0. Para esta partida foram convidados jogadores de outros times, para que o Morumbi fosse apresentado a seus torcedores. Pelé foi a ausência sentida, contundido.
Em 1961, o Morumbi se conectou ao resto do mundo. A linha de ônibus Largo de Pinheiros-Morumbi foi inaugurada em 21 de setembro. Neste ano o SPFC ainda desembolsaria Cr$ 46.152.000,00 com a construção de duas torres de concreto e instalação de cabines e outras instalações elétricas. Iluminação, contudo, só veio, e de modo provisório, em 1968. Por fim, construiu mais 6 vãos de arquibancada, ao valor de Cr$ 114.736.436,00.
Com o Morumbi a meio caminho andado, a diretoria volta sua atenção para o patrimônio social. O clube havia conseguido, junto à Imobiliária Aricanduva, mais 25.936m² de terreno. Em 26 de outubro, o Conselho Deliberativo institui o Título Patrimonial do SPFC, ao custo de Cr$ 100.000,00 a adesão. Logo de cara, 7.500 foram vendidos.
O título financiou a construção do parque aquático, dos vestiários, das instalações hidráulicas, elétricas, de manutenção e de tratamento de águas, orçada em Cr$ 55.126.486,00. Quadras e outros empreendimentos arredondaram a conta para cerca de 100 milhões. O Complexo Social foi inaugurado em 30 de setembro de 1962.
O período que se seguiu foi de grande estagnação. Os recursos financeiros líquidos em breve seriam consumidos. Os valores obtidos pelos títulos patrimoniais e cadeiras cativas eram significativos, mas cumulativos somente em longo prazo. O reduzido capital volátil foi investido na compra de 29.584m² de terreno junto a Aricanduva, para expansão do Social. Cr$ 8.875.200,00 pagos em suaves parcelas.
Sem o suficiente em caixa, o Morumbi nada avançou de 1961 a 1968.
Justamente neste período, o presidente do São Paulo, Laudo Natel, iniciou sua carreira política. Eleito Vice-Governador do Estado, por chapa independente, em 1962, assumiu o cargo majoritário por oito meses, entre 1966 e 1967. Após cumprir seu mandato, não voltaria a desempenhar função pública até 1971, após a conclusão do Gigante.
Ou seja, sem qualquer ajuda governamental, o Morumbi só voltou a crescer, e a passos largos, em 1968, com o advento do fantástico Carnê Paulistão. "A Grande Jogada é Construir o Paulistão" foi uma campanha idealizada por Hélio Setti e Oswaldo Molles. Na TV Excelsior, nos intervalos das novelas, sorteava-se prêmios para aqueles que estivessem em dias com as suas mensalidades.
Com tiragem inicial de 100.000 unidades, o carnê fez tanto sucesso que ganhou outras seis séries, totalizando 700.000 carnês, vendidos a NCr$ 5,00 (cada qual com 12 prestações no mesmo valor). Outros clubes, posteriormente, adotaram a mesma prática, inclusive pressionando o São Paulo a romper sua patente. Os carnês concorrentes não vingaram, e o Tricolor, então, se comprometeu a repassar-lhes uma quota de seus ganhos.
Com as finanças em dia, o que o São Paulo não pôde realizar em 8 anos, o fez em 2. Ao custo de NCr$ 6.890.000,00, em 20 de dezembro de 1969 o estádio enfim foi concluído. Só faltava a festa para a entrega da obra concluída, que aconteceu de 25 de janeiro de 1970.
Realmente, como diz Laudo Natel, a construção do Morumbi foi uma obra de igreja, realizada com o que se podia, aos poucos, pela venda de idéias, fazendo jus ao um belo subtítulo: Fé e Perseverança.

SÃO PAULO Futebol Clube 1 X 1 Futebol Clube do PORTO
Inauguração definitiva do Estádio Cícero Pompeu de Toledo
25/01/1970
SPFC: Picasso; Édson Cegonha (Cláudio Deodato), Jurandir, Roberto Dias e Tenente; Lourival e Gérson; Miruca, Zé Roberto (Téia),Toninho Guerreiro (Babá) e Paraná. Técnico: Zezé Moreira
Gols: Miruca, 35'/1.

FCdP: Vaz; Acácio, Valdemar, Vieira Nunes e Sucena; Pavão e Gomes; Chico (Celinho), Pinto (Ronaldo), Rolando e Nóbrega. Técnico: Elek Schwartz.
Gol: Vieira Nunes, 32'/1.

Árbitro: José Favilli Neto
Renda: NCr$ 440.258,00
Público: 107.869 pagantes



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